Os seus frascos de tinta
ainda estão caídos no chão...
Os seus frascos de tinta ainda estão caídos no chão cobertos de poeira... A tinta com uma camada grossa de massa... Os pincéis jogados... Pingos de arco-íris azul,vermelho, anil...
Era pra ser um lindo quadro... Mas você saiu correndo, derrubou os pincéis, revirou os desenhos e apagou a luz... Mergulhou os dedos na água suja, limpou na cortina, bebeu o seu gole de ignorância e partiu.
Eu adorava os teus desenhos. Adorava te olhar de costas fazendo pose; segurando e quase que atravessando o quadro com o olhar tão fixo. E nós gostávamos do quarto empoeirado, das folhas amareladas, do cheiro de tinta óleo e de apagar as luzes só pra ligar a lanterna e rir dos desenhos feitos de nanquim.
Eu não entendia nada de arte, nunca entendi, mas eu descobria em você a porta que me levava nessa direção.
Era uma luz ao longe, que se apagou.
Você tinha gestos peculiares... Aqueles que te deixam assim, digamos, mais arte ainda... Esguia o corpo, curva a cabeça e gosta da saliência na nuca, sempre a mostra - viva, delicada - como se fosse esculpida em cada ato, em cada movimento... Sempre sutil... Um ar de quem não está ali... Ah, mas esse eu reconheço bem. Então era só uma questão de tempo pra entender o que te inspirava... E você estava ali estudando, sonhando quase que em total epifania pelos quadros, e eu de longe observando
e no mesmo estado por você...
Os seus frascos de tinta ainda estão caídos no chão cobertos de nossas lembranças...
E essa meu bem, é a única arte que nos restou.
Maisa Maciel
Sem data
e nem hora.